O nº 11

O homem viu: cavaram-se dois buracos.

Num escondeu-se um corpo: saco anatómico desprovido de vida. No outro inauguraram-se as fundações de um prédio: caixote de betão procurando vida.

Foi assim que se ergueu o número 11. Bloco, após bloco, após bloco, após bloco, após bloco, até se cruzar com o céu; de agredir o azul com o seu corpo rectangular e cinzento.

Terminadas as obras, encheram-se as fracções com gente. 

No lugar onde o corpo havia sido enterrado cresceu uma macieira. Em torno da macieira foi criado um jardim com relva e um caminho de pedras calcárias, que desaguava na entrada do prédio onde dormia o homem. O indigente não queria abrigo, não pedia uma casa; também não pedia dinheiro – o que espantava os moradores. Limitava-se a estar ali, olhando a árvore. O porteiro – ser de massa considerável, mas estático como uma montanha – desprendia palavras de ódio, tentando expulsá-lo: não há nada tão nojento quanto uma pessoa inútil.

O homem alimentava-se das maçãs que a árvore oferecia: pequena dádiva divina.

Por baixo da terra, as raízes da árvore embrulhavam o corpo; alimentavam-se da sua morte, da sua, aparente, inutilidade. 

Dentro das casas as famílias cresciam: alimentando-se uns dos outros: dinheiro, paciência, tempo. Tudo se resume a pequenos circuitos, aparentemente fechados, mas todos ligados, na enorme engrenagem da vida. 

A inutilidade é uma condição aparente.

Deixe uma resposta