O homem dorme. Por cima da sua cabeça, há uma aranha. Todas as noites a aranha desce da sua teia, entra pela orelha do homem, diz-lhe que o ama e, durante o processo, injecta um pouco de veneno – uma quantidade mínima, não capaz de o matar. Após esta acção o bicho regressa ao canto do quarto, onde fez casa. O homem acorda. Todos os dias se sente um pouco mais fraco, mas não liga: a vida desgasta o corpo: a erosão é um processo natural.
O homem vive sozinho.
Mentira: o homem não vive sozinho. Há a aranha. Uma companhia insignificante, mas uma companhia.
Uma noite, a aranha desce da sua teia e resolve fazer casa no ouvido do homem. Diz-lhe isso mesmo: quero fazer casa no teu ouvido (volta a injectar um pouco de veneno: há rotinas que devem ser cumpridas).
Nessa manhã, o homem não acordou. Tinha morrido. O corpo tinha cedido aos caprichos do veneno.
A aranha abandonou o ouvido do homem: um corpo morto não é casa para os vivos; um ouvido que não ouve é um órgão inútil: perdeu a sua função.
O homem ali ficou, deitado, abandonado à sua sorte: o veneno só serve aos vivos; o amor só serve aos vivos: depois do fim, transforma-se em memória.
O canto do quarto está vazio: casa desocupada.
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