Tudo o que ele fazia com os dias era deixá-los passar.
Sentava-se à espera, enquanto a linha se desenrolava e o novelo se tornava cada vez mais pequeno.
Não havia muito a fazer. A vida esfarelava-se a um ritmo humano: os órgãos teimavam em ser o que eram, mas com algumas falhas mais evidentes.
De cada vez que metia a garrafa à boca, imaginava o fígado a deteriorar-se: uma esponja velha, com a sua utilidade reduzida a muito pouco.
O mundo perpetuava-se, muito altivo, com todas as suas cores, para lá dos seus olhos. Negava-se a acreditar que aquele ainda era o mesmo mundo de quando era criança. Era um mundo novo, com novos problemas. E esses problemas, de tão presentes, de tão actuais, afiguravam-se maiores que os problemas do passado.
Os médicos disseram-lhe que tinha apenas uns meses de vida. Para quem tem um passado tão longo, uns meses são coisa de minutos. Pensou para si que deveria deixar os problemas no futuro, junto com a morte. Lá, eles não chateiam e, aqui, no passado, ainda são demasiado pequenos.
Deixou-se ficar vendo novas crianças tomando conta das ruas e a repetir, em jeito de epitáfio, entre cada gole: o futuro é uma questão de minutos.
Deixe uma resposta