– Sabe, sr. Peterr, os nossos desejos são coisas perigosas. Falo do desejo da carne, per carnem, essa cobiça por alguém que não nos pertence, mas que desejamos a todo o custo possuir, ter, saborear, cheirar. Falo dessa força lasciva que por vezes confundimos com o amor, porque a carne é facilmente amada, o pior é olhar depois, desvendar a cortina para lá da pele, do músculo, do osso. O essencial, o etéreo. Os nossos desejos são selvagens, irracionais. A beleza é para nós uma forma de pornografia visual, uma urgência de um orgasmo, de um movimento físico, de uma contração muscular, de uma libertação. O amor é outra coisa. O amor não é a admiração da beleza da rosa; a vontade de a colher da terra e a meter num jarro a enfeitar a casa. O amor é o perceber o cheiro dela e o que isso nos desperta, nos faz sentir, um conforto como voltar a outros lugares, algo que não é físico, palpável, efémero. É ir além disso. Criar memórias, adivinhar futuros. É perceber a beleza da pétala e o porquê dos espinhos. É querer picar-se nesses espinhos, porque essa dor o faz compreender a sua função, o faz viver esse amor. Porque o amor deve ser como a vida: deve doer, deve ser eufórico, deve marcar a carne, ser ferida e cicatriz e tudo o que nem sempre é belo. Porque o amor também é feio, também destrói para construir e constrói para destruir. O desejo não. O desejo faz festas na carne, culmina com o prazer e depois segue o seu caminho. É uma brisa suave. Mas eu não creio que seja isso que queremos. Nós queremos a tempestade, os ventos fortes que abanem tudo por dentro, que nos tirem tudo do sítio, que remexam as areias, que arredondem as esquinas, que nos levantem os telhados. Estou errada, sr. Peterr?
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