720

No autocarro 720 vai uma menina. Ninguém lhe parece ligar, embora ela gesticule freneticamente, enquanto solta sons agudos indistinguíveis. À sua frente vai – julgo – a sua mãe, ou alguém encarregado de a vigiar. Só lhe vejo os cabelos grisalhos, sem nunca lhe ver a cara. Apesar de todo o aparato que a menina faz, as pessoas passam e nunca se sentam perto, como que com medo de serem contagiadas por uma doença qualquer. A menina tem uma deficiência intelectual. Imagino que siga a caminho do Hospital da Estefânia, com a senhora. Está sempre a sorrir e a gesticular. Parece feliz. E ninguém que tenha a perfeita noção da realidade consegue ser tão feliz e sorrir tanto. As pessoas entram no autocarro e continuam a afastar-se. Terão medo que a felicidade seja contagiante?

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