A senhora entrou na paragem do 744, no Saldanha. Vinha curvada, como se o tempo a empurrasse para baixo e não a deixasse andar com as costas direitas. Devia ter perto de oitenta anos. Eu estava sentado a ler. Ia na página vinte e três d’O Estrangeiro (de Camus). A senhora parou ao meu lado, agarrada ao ferro. Levantei os olhos, marquei a página com o indicador e fechei o livro.
Sente-se aqui.
Não é preciso, o menino está a ler.
Não, não. Sente-se. Eu tenho tempo para ler.
Levantei-me, ela sentou-se.
Muito obrigado, menino.
Condescendi com a cabeça e um sorriso. A senhora sorriu-me de volta.
Quando saí do 744, na paragem junto ao Estádio 1º de Maio, fiquei a pensar se devia ter dito aquilo àquela senhora de quase oitenta anos: “tenho tempo”.
Deixe uma resposta